Ninguém pediu! - Resenha de Reinos de Mysticat
- Lazara Oliveira
- 24 de dez. de 2021
- 5 min de leitura

Reinos de Mysticat, lançado pela Editora Flyve, é uma estória de fantasia que se passa em uma realidade utópica onde gatos humanóides chamandos de felin fazem a vez de seres evoluidos e reinantes. Parece estranho? A mim também pareceu, então vamos por partes.
Em primeiro lugar, esclareço que li duas versões de Reinos de Mysticat, sendo a primeira uma revisão que estava sendo postada na plataforma digital Wattpad e a segunda é o livro físico que adquiri há algum tempo. São a mesma estória, mas houve alteração na ordem de alguns fatores; sem alterar o resultado, claro.
Tudo começa com a realidade dos deuses e uma disputa entre o deus gato Ghaceus e seu invejoso irmão Ghanog. Ghaceus criou um mundo e nele colocou seres gentis e amorosos que seriam reflexo de sua natureza bondosa, esses seres foram denominados de felins puros e tudo em seu mundo ocorre na mais absoluta perfeição. No mundo dos puros não há fome, nem desemprego, nem falta de acesso a educação ou a saúde. Todos os lugares são confortáveis e acessíveis. Esse mundo é governado por uma longa linhagem de gatos semideuses, responsáveis por manter a paz e a ordem de acordo com o desejo de Ghaceus.
Reinar no mundo dos puros não significa somente sentar as nádegas em um trono e ordenar aos demais o que fazer, pelo contrário, envolve muito trabalho de comunicação. O mundo puro é dividido em reinos; cada reino apresenta um bioma; em cada bioma ocorre a manifestação de felins de um determinado biótipo. Temos então felins do deserto, do gelo, da magia, assim por diante. Cada um desses reinos possui um governante que se comunica diretamente com o rei supremo do mundo puro. Os governantes podem ser fêmeas ou machos, isso não importa dentro da estória, o essencial é a instrução que príncipes e princesas recebem como preparo para ocupar seus cargos.
Ghanog, invejando seu irmão Ghaceus, criou um mundo de tristeza e sofrimento, refletindo seu coração deturpado, e a esse mundo foi dado o nome de mundo reverso, onde vivem os felins reversos. O mundo reverso em estrutura funciona quase como o mundo puro, mas com injustiça, fome, elitismo e outros problemas estruturais graves. Os felins reversos sempre tentam tirar vantagem uns dos outros. Esse mundo é governado por um descendente direto de Ghanog, que tem por objetivo causar terror e perseguir os puros.
Haveria paz se reversos e puros não se odiassem profundamente e se encontrassem de tempos em tempos por algum motivo.
No momento em que se passa a estória, o mundo puro está sob os cuidados de Kinmyuu e sua família, enquanto o mundo reverso é reinado por Devimyuu e sua família, apesar de que Devimyuu não era sucessor do trono reverso, ele o tomou de seu pai maldoso após assassiná-lo.
Tanto Devimyuu - a quem chamo de Devilcat - quando Kinmyuu têm seus primogênitos, sendo Mewleficent (Mewlef) a princesa reversa e Akenmyuu (Aken) o príncipe puro.
Após o roubo de um item mágico de muita importância para o mundo puro, e poder destrutivo essencial para o rei reverso, a trama caminha para um possível encontro entre os herdeiros dos mundos, e há muito mais por detrás disso. Na realidade, existe um segredo em Reinos de Mysticat que promete abalar profundamente as bases dos mundos apresentados. É certo que nada é tão perfeito que não possa se corromper e nem tão impuro que não possa se corrigir.
O que em primeira vista parece uma simples história fantasiosa de alguém que gosta muito de gatos, no fim se torna uma grande crítica ao sistema no qual vivemos. Em Mysticat há liberdade de expressão, não existe LGBTQfobia, porque sim, há personagens de todos os gêneros e sexualidades, não sendo questão de estranhamento para os felins porque naquele mundo é a ordem natural. Os seres seguem suas religiões e cultuam o que desejam de seu próprio modo, sem preocupações maiores. É um mundo inclusivo que reflete as crenças de uma autora e seu senso.
Além disso, a trama possui riqueza de detalhes, principalmente a versão revisada, porque a autora, Luccy Bridges, detém um talento sem medidas para descrições ricas e imersivas.
Mysticat também está carregado de referências à cultura pop, principalmente asiática. Isso nos dá pistas das preferências da autora e torna o livro muito divertido. Quanto mais livros, filmes, animes o leitor conhece, mais ele vai entender as referências.
Na minha experiência, enlouqueci enquanto lia. De início não gostei do livro, mas demorou menos de três capítulos até que eu estivesse apaixonada. Os reversos Devimyuu e Mewlef conquistaram meu coração de um modo irreversível - que ironia já que são reversos. Eles são falhos, mas quem não é? Nem os puros são tão perfeitos assim. A questão é que o mundo dos puros é tão absoluto que se torna até opressor em determinados pontos, enquanto o mundo reverso é grotesco na medida de gerar liberdade para que os indivíduos se mostrem como realmente são. Nem todos são criaturas detestáveis, alguns corações amargurados só foram machucados demais pelas condições de vida que aquele mundo criado por Ghanog oferece. Ora, se eu vivesse passando fome e tendo que matar até quem eu amo para sobreviver, eu seria também a mais horrível e impiedosa das criaturas, e, apenas um ditador sanguinário de poder sobrenatural me manteria no meu lugar insignificante. Destaco que aos poucos se torna visível o fato de que muitos reversos têm inveja do mundo dos puros onde não existe sofrimento. Sim, estou bancando a advogada do diabo/advofelin do catmônio.
Deixo meus cumprimentos para a autora que criou essa estória com todo carinho e me fez ter profundo afeto pelos personagens ao ponto de amá-los como se existissem fora da minha imaginação.
Luccy Bridges também é ilustradora de sua própria obra e seus desenhos são de encher os olhos. Podemos encontrar as ilustrações nos livros ou no instagram dela. Vale a pena uma tour por esse trabalho impecável, inclusive ela posta também a evolução do trabalho.
Se um dia torci o nariz para Reinos de Mysticat, eu nem me lembro.
Como consideração final, deixo aqui a ideia de que vocês estabeleçam um paralelo entre Reinos de Mysticat e a obra O Príncipe, de Maquiavel. Lembrem-se que o príncipe precisa ser virtuoso e destemido antes de tudo, e ter fortuna/sorte para cumprir seu papel, mas, sobretudo, o povo precisa ter clareza sobre o que o príncipe representa e qual o fim do sistema, pois um povo que se move como rebanho, sem questionar, independente do lugar no qual esteja, sempre terá algum problema grave para resolver.
Claro, como não poderia deixar de reclamar, fica minha objeção contra isso de série de livros. O final ficou aberto porque tem continuação e eu não me aguento de irritação por curiosidade. Por que me fazer amar algo que se torna uma tortura justamente pelo tamanho do meu amor? Sinceramente, o mercado literário me seca de tristeza, apesar de a literatura ser minha grande paixão.

Título: Reinos de Mysticat - Elos entre mundos. Onde comprar: https://www.editoraflyve.com/product-page/reinos-de-mysticat-elos-entre-mundo

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