Ninguém Pediu! - resenha de Quebrados
- Lazara Oliveira
- 16 de out. de 2022
- 4 min de leitura

Se a rede Globo quiser uma escritora negra para colocar no lugar do Manoel Carlos, eu indico Victória Santana, pois a personagem Suzanna seria facilmente uma Helena. Quebrados é um livro de drama escrito pela baiana Victória Santana. Está disponível na Amazon/Kindle e seu lançamento em formato físico foi adiado por alguns contratempos.
Na história, a protagonista Suzanna se muda do Brasil para respirar novos ares e conhece seu futuro marido, Antônio. Ela, fugia de um passado tenebroso onde foi vítima de violência sexual; ele, renegava a própria família ricaça, obcecada por todas as formas de poder. Ambos se apaixonam apesar de tudo, e depois, unidos, resolvem voltar para o Rio de Janeiro, onde vão tentar estabelecer uma vida. Eles sabem que não será fácil.
Suzanna é uma mulher negra de origem humilde, cuja família está bem posicionada na sociedade no presente da narrativa. Então ela sofre racismo, porém de uma maneira aparentemente mais velada. É nos cantos, nas insinuações, nos julgamentos... Claro que nesse caso eu não estou falando da sogra, que é, não somente uma racista altamente violenta, como também uma mãe desgraçada das ideias. Antônio é um jovem que se rebelou contra a família porque eticamente não estava de acordo com eles.
O ambiente quase todo é estéril, porque está nesse local de classe média/média alta, sem muito de interessante a não ser uma vida rotineira, alguns eventos, idas em estabelecimentos com um "quê" de entretenimento internacional. Aqui, pessoalmente, acho que o casal absorveu bastante dos Estados Unidos. Suzanna e Antônio poderiam ser um casal de série estadunidense que foi morar no Rio de Janeiro. Lembrando que isso se refere apenas a parte do ambiente, não da bagagem. Existe até uma certa impessoalidade estrangeira, dessas que classe média imita mesmo, para demarcar sobrenomes. É muito brasileiro chamar pelo primeiro nome, é amistoso, quente demais, povo em demasia... Não. Nesse ambiente por muitas vezes as pessoas são citadas pelo sobrenome, até na narração. É a impessoalidade.
Porém existe um cantinho de muito calor, de origens, do povo. É onde você relaxa, ri, sente até mesmo que Suzanna fica mais desenvolta. É onde ela atende a comunidade dependente do Estado, gente de sua gente.
Suzanna é médica, Antônio é advogado, nada de realmente emocionante nisso. Áreas de burocracia intensa, algum calor aqui e ali, muitas escolhas relacionadas com a ética. Porque geralmente é desse lugar que vem toda ação e emoção nessas profissões. E é um algo interessante pensar que, debaixo dessa superfície, está a questão das vidas que uma pessoa assim destrói quando resolve defender a parte culpada, e vence.
Daqui eu já digo que, sim, Justiça é Capital. Fora da Igreja? É Capital. E um estoque de drogas para anestesiar a consciência. Ou de uísque, que o povo dessa história consome bastante. O interessante do uísque é que geralmente é um hábito cultivado para acalmar.
A vida amorosa de Suzanna e Antônio é chata que só, como a de qualquer casal apaixonado, organizado e confiante. Chegam a ser quase infantis quanto estão só entre eles. O que é bem interessante porque claramente esse relacionamento só foi adiante por eles encontrarem uma dose de inocência um no outro. Algumas das falas são tão bobas que lembram aquele casal de amigos — todo mundo já teve desses — que ninguém aguenta a presença, de tão melosos. Quando, como leitora, eu observo, percebo que essa é uma forma de construir conforto. É assim mesmo, uma mulher arisca como Suzanna, que nem aprecia muito a "instituição da macheza", jamais iria gostar de um homem que não fosse tolo. E seu próprio pai é um exemplo. Às vezes o pai e o marido Antônio transparecem ter a mesma personalidade.
Tudo isso nos leva à questão mais profunda, porque esses personagens estão "quebrados", como relógios. Comparo, especificamente, porque os ponteiros deles estão parados naquele mesmo momento onde a ruptura ocorreu. Suzanna é, por debaixo de toda a pompa e circunstância de suas conquistas, ainda uma adolescente de 15 anos, lutando para viver. Toda essa relação um pouco infantil com Antônio evidencia que as fugas não permitiram seu amadurecimento. Suzanna se move por aí como um robô, bem vestido e treinado, cumprindo com seu papel, até que em algum momento ela desaba e a vida volta a fluir. Da pior forma, às vezes. Muito do que podemos ler nela como maturidade, no fundo da narrativa é só um truque de defesa.
Célia, a antagonista principal, e sogra de Suzanna, é a personificação da mulher tradicional que foi treinada para ser uma perfeita companheira rica. Educada, instruída, admirada, bem racista, intolerante, amargurada... Às vezes sobe uma vontade de dar uns chacoalhões nela. Depois você entende que ela está ali representando uma classe inteira, assim como seu marido.
Suzanna e Antônio, quase não contam com tempo para se ajustar, pois desde que voltam para o Rio de Janeiro, são bombardeados de situações desgastantes.
Nessa narrativa você encontra suspense, mistério, drama e muito desgosto quando lê o diário de Suzanna.
Sem amenidades, Quebrados é um livro difícil de digerir e possui muitas camadas. Exige um grande trabalho de reflexão por parte de quem lê. Eu particularmente recomendo, pois sempre achei uma leitura marcante, muito crítica à sociedade racista, misógina, assassina de pobres.
É uma novela.

Título: Quebrados
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