Ninguém pediu! - Resenha de Glas Oceana
- Lazara Oliveira
- 31 de out. de 2021
- 4 min de leitura

Desenvolvimento lento e protagonista sem carisma.
Será?
Glas Oceana é um livro escrito por Pricila Elspeth e lançado no presente ano de 2021 pela Editora Medusa. Trata-se de um romance ambientado no fantasioso arquipélago de Yuri Alexandre. A história segue a jornada diária do protagonista Bernardo e sua filha Carla, uma criança inteligente e cheia de energia. Bernardo é pescador, mas não vemos esse lado dele, o foco está em seu outro trabalho como dono de bar. O bar tem uma atmosfera interessante, quase mágica, por ser decorado com pertences de seu pai já falecido, Vlaho, velho amigo de Yuri, o mais antigo habitante do arquipélago. Quando não está no bar, quase sempre Bernardo está resolvendo algum problema relacionado com o autismo de sua filha.
Dito isso, vamos por partes.
O livro é curto, mas o enredo é denso. Temos diversidade e muitos personagens, cada um com sua singularidade. Escrever a dinâmica de muitos personagens juntos, com equidade de importância para todos, é tarefa difícil. Toda pessoa que tentou uma empreitada de narrativa longa conhece bem esse obstáculo, estou certa disso. Se é complicado fazer com que todos os personagens sejam importantes e interessantes em uma cena, imagine ao longo de todo um livro. Cada pessoa na história é como uma peça de quebra cabeça, não existe alguém descartável, que apenas esteve por estar. Por outro lado, apesar de todos serem fundamentais, Bernardo e sua família não perdem o brilho do protagonismo. É uma medida delicada, muitas vezes não dominada nem por escritores experientes.
Fique registrado aqui que o dito arquipélago de Yuri Alexandre faz parte do Brasil, portanto, personagens exibem sua brasilidade. Uma da qual estou um tanto distante em questão de vivência, já que estou longe dos litorais, o que torna a experiência de leitura ainda mais gostosa pela descoberta e exploração de um mundo duplamente novo. As descrições são tão boas que o cheiro do mar está até o presente momento em minhas narinas.
As relações entre personagens são complexas, sendo passageiras ou duradouras, pois não são talhadas em pedra. O enredo não é lento, ele acompanha seres humanos. Humanos têm seu próprio tempo, e, dentro desse tempo lidam com diversas questões. Não é porque alguém está de luto que não precisa pagar os boletos. Bernardo não é sem carisma, muito pelo contrário, é sedutor. Talvez fosse até mais se a autora assim quisesse, no entanto, a intenção dela era outra. A questão de Bernardo é que sua vida está toda emaranhada de dramas, dos inimagináveis até as chatices burocráticas do quotidiano. Deixo a observação de que, usando de sua expertise, a autora aproveitou o espaço de drama vivido principalmente por Bernardo para deixar algumas críticas em relação a políticas de privatização e da importância de uma gestão coerente para qualquer território.
Seguindo nesse fio, destaco o sofrimento do personagem para lidar com o autismo da filha em todos os sentidos, dentre eles, naquele que tange o tratamento e a compra de medicamentos. O SUS é importante no nosso país e garante uma série de atendimentos que são caríssimos e inalcançáveis em outros cenários ou condições. O desespedo de Bernardo diante da falta de possibilidade fez com que chegasse a pontos indesejados.
Indesejados, porém não extremos, pois Bernardo é razoável, até mesmo um pouco intuitivo.
Os dramas de Bernardo são acompanhados pelos da ex-esposa, Jaqueline. Uma pessoa que sofre reagindo com agressividade. Jaqueline está ali principalmente para nos mostrar que nem tudo o que parece, é. E como nosso julgamento sobre uma mãe pode ser desonesto, até mesmo cruel, afinal aprendemos desde sempre que mulheres possuem instinto materno.
Para mim em particular, outro personagem muito marcante da história é Hércules. Sujeito divertidíssimo. Freud talvez não pensasse o mesmo, devido o uso de gírias atuais que são um pouco estranhas em sentidos familiares. O fato de falar em si na terceira pessoa, o que acaba deixando tudo sobre Hércules ainda melhor. Acho que alguma marca de shake da vida real deveria patrocinar um livro solo dessa figura que me fez chorar de rir, e que é um excelente amigo.
Posto isso, vamos ao que está mais profundo na obra. A humanidade não detém conhecimento de tudo que há no universo e tentar tirar conclusões rígidas dentro do nosso parco conhecimento, sem deixar espaço para questionamentos, pode ser mais que perigoso, pode ser mortal. De julgar aparências até um diagnóstico de uma doença, tudo deve ser feito com cuidado elevado, pois, além de nossas subjetividades, não sabemos tudo.
No fim das contas senti que Bernardo era um homem com sangue quente correndo nas veias, que só estava muito cansado, assim como os demais personagens. Entendo, viver é desgastante. O enredo não era lento, mas denso, e tinha medidas corretas, pois, como disse alguém um dia, quando tudo é extraordinário, nada é extraordinário.
Deixei por último a sensação inesperada que tive ao ler Glas Oceana. O livro é lindo, cheio de ilustrações e detalhes caprichosos que me trouxeram lembranças da infância; de minhas primeiras leituras. Recordações de quando me apaixonei pelas aventuras de Verne, também de quando li As Viagens de Gulliver e outros livros marcantes. Glas Oceana possui encanto e cheiro de primeiras descobertas, ar de sonhos e de vontade de escrever. Até mesmo o olor do livro me despertou essas memórias tão queridas e preciosas.
Um enredo democrático que pode crescer mais no mercado nacional, pois com ele é possível agradar "de mamando a caducando". Ainda que fosse um livro com enredo horrível, eu estaria cativada por seu design de encher os olhos.
Senti um gancho final para aprofundar as aventuras, então espero que Pricila nos leve além do que ficou.
Desejo sucesso para a escritora, e que essa obra chegue em muitos lares, principalmente nas mãos juvenis que estão iniciando com seu amor pela literatura.
♤
P.S.: Achei a formação de casais totalmente revoltante, simplesmente porque não seguiu o que defini como ideal na minha mente. Se liga, hein Pricila. E, eu pediria desculpas pelo começo sensacionalista, mas não tenho arrependimentos.

Título: Glas Oceana
Onde comprar: https://www.editoramedusa.com/product-page/glas-oceana

Instagram da autora para quem quiser autografado: @pricila_elspeth
Parabéns pela resenha! ❤️
Oouuunnn encheu meus olhos de lágrimas.
Muito obrigada pela resenha. Fiquei muito encantada. Obrigada pelo carinho, pelo tempo disposto a ler e produzir esse texto.
Algumas pessoas já me pediram uma prequel e/ou uma continuação rarsrs, quem sabe!?
Mais uma vez, muito obrigada!