Ninguém pediu! - resenha de Artigo Zero

Recentemente concluí a leitura do livro Artigo Zero, da autora Raquel Schroeder Moller. Trata-se de um romance de fantasia que ganhou formato físico há pouco tempo e tem vendido um número impressionante de exemplares.

Conheci a autora por esses bailes virtuais da vida e decidi comprar o livro, nem mesmo li a sinopse, pois confiei no talento dela e desejei me surpreender por completo com o conteúdo. Aconteceu.

A narrativa, que segue em uma crescente de ritmo, traz a história de amor entre um anjo e um suposto demônio, o que acaba causando problemas entre seres do paraíso e do inferno.

Para início de conversa pontuo que o protagonista era humano. Sim, humano adolescente, muito bem comportado, fruto de uma família padrão e cheia de amor, e, desde o começo da trama Nathan se mostra muito consciente sobre sua realidade e as relações existentes nela. Um jovem negro com suporte necessário para se desenvolver da melhor maneira dentro dos padrões sociais. Devo dizer que é fabuloso assistir o desenrolar por um ponto de vista assim. A temática do racismo é importante e sempre presente no nosso país, porém foi bom ler uma narrativa que trouxesse um protagonista negro e cujo foco não era o racismo em si.

Sim, você não leu errado, eu disse "nosso país". A história se desenrola entre o mundo espiritual cristão e o Brasil. As ideias de céu e inferno presentes no livro e a viagem que o protagonista faz para o além da vida bem no início da obra, me remeteram à Divina Comédia. Igual? Não. Apenas senti um clima nostálgico dessa leitura passada. Também temos acesso a deus e ao diabo e, aqui trago uma opinião polêmica, o inferno associado a uma figura feminina em muito não me agrada porque vejo a problemática milenar de ligar mulher a crimes e pecados. Por outro lado, submeter a imagem da mulher a uma condição de santidade inerente ao céu cristão é questionável, para mim. No fim foi agradável ver que o inferno de Artigo Zero tem um sentido diferente, pois é de lá que surgem as almas, o que me fez pensar sobre a junção quase inseparável que há dentro de religiões, entre mulher e criação de vida. O paraíso dentro da obra também não é o que se espera, para mim pareceu uma repartição pública permeada de seres entojados, mas essa é uma visão pessoal.

Pensei que a autora recairia no velho e bom clichê do amor além da vida, e, bem, a parte do além da vida e dos tempos é verdade, eu só não contava com as reviravoltas que viriam a seguir. Muitas pontas, que nem observei que existiam por estar ocupada julgando os personagens, foram amarradas. Outras ficaram soltas porque a vida é assim mesmo, nascemos e morremos sem saber de tudo. A narrativa é em primeira pessoa, então fez sentido esse tipo de movimento.

Porém, se uma luz de bondade iluminar o coração dessa autora que me fez chorar quando eu menos esperava, levando-me a quase estragar meu exemplar com minhas lágrimas, espero que ela escreva alguns contos esclarecendo partes interessantes do enredo.

No mais, podemos notar a preocupação com as causas sociais, políticas e econômicas que advém da própria escritora. Alguém que, afirmo, veio somar na literatura nacional. Ao "influencer" que teve a audácia de dizer que no Brasil não há bons livros de fantasia, contradigo com alegria que seu equívoco vai dos renomados até os desconhecidos títulos, dentre os quais está Artigo Zero. A quem decidir comprar, desejo boa leitura.

O final foi de matar, mas estamos aqui para isso mesmo, para surpresas.

Só digo uma coisa depois dessa leitura: um bom legislador faz milagres.

Título: Artigo Zero

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